Jovens yazidis pedem que Estado Islâmico seja julgado pelo TPI
Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar receberam hoje o prémio Sakharov da Liberdade de Pensamento, entregue pelo Parlamento Europeu
As duas jovens yazidis, vencedoras do prémio Sakharov de 2016, apelaram em Estrasburgo para que os líderes do Estado Islâmico sejam julgados pela justiça internacional.
Nadia Murad, 23 anos, e Lamiya Aji Bashar, de 18 anos, são sobreviventes da escravatura sexual do grupo extremista Estado Islâmico, tendo-se tornado porta-vozes das mulheres vítimas da campanha de violência sexual da organização terrorista. São defensoras públicas da comunidade yazidi no Iraque, uma minoria religiosa que tem sido objeto de uma campanha de genocídio por parte dos jihadistas.
As duas mulheres, oriundas da aldeia de Kocho que foi capturada pelo Estado Islâmico em agosto de 2014, insistiram na importância de não apenas vencer militarmente o grupo terrorista, mas também de levar os seus líderes diante do Tribunal Penal Internacional (TPI).
"É preciso levar os responsáveis diante do TPI porque o nome Daesh [acrónimo árabe do Estado Islâmico] pode desaparecer, mas os efeitos do Daesh vão perdurar enquanto não tiver sido feita justiça", disse Nadia Murad aos jornalistas antes da cerimónia, sublinhando que há ainda 3500 mulheres yazidis nas mãos do grupo terrorista. Ela conseguiu fugir em novembro de 2014.
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, defendeu na entrega do prémio, em Estrasburgo, que o TPI deve investigar os crimes do Estado Islâmico.
"Quando nós fomos violadas, quando fomos vendidas e revendidas pelo Daesh, nunca perdemos a fé em Deus, porque sabemos que Deus está lá e nunca pensámos em vingança", testemunhou Lamiya Aji Bashar, cujo rosto está cheio de cicatrizes da explosão de uma mina durante a sua fuga, em abril de 2016. Ambas as jovens vivem atualmente na Alemanha.
Diante dos eurodeputados, Bashar contou num discurso emotivo que foi vendida quatro vezes pelo Daesh, tendo depois relatado o que sofreu às mãos do Estado Islâmico e como ficou desfigurada durante a fuiga, junto com uma amiga de infância, Karhtin, e outra rapariga de nove anos, que acabaram por morrer.
"Nós as três conseguimos fugir, mas antes de ficarmos em segurança, a Kathrin pisou acidentalmente uma mina terrestre que explodiu e a última coisa que ouvi foram os gritos de morte dela e foi a pior coisa que alguma vez tinha ouvido", contou.
"Acredito que posso ser uma voz para as vítimas. E o prémio Sakharov dá-me mais força e é por isso que tomei a decisão de me tornar a voz dos que não têm voz", acrescentou. "Mais de 3500 mulheres e crianças ainda estão presas como escravas do Daesh. Todos os dias, morrem mil mortes", contou.
No seu discurso, Murad disse aos eurodeputados que "não existe qualquer dúvida de que o Daesh cometeu genocídio", apelando então para que os responsáveis sejam levados diante da justiça. Em relação à comunidade yazidi, que está reduzida no Médio Oriente a meio milhão de pessoas no Iraque, Murad defendeu a criação de zonas seguras no país e apelou à Europa para que os receba também no seu solo. "Vemos a Europa como um símbolo de humanidade e a Europa confirma isso hoje. A Europa deve continuar como um modelo para o mundo e um modelo para a coexistência dos povos e culturas", acrescentou.
Os discursos das duas jovens receberam uma ovação dos eurodeputados. Schulz apresentou depois o irmão mais novo de Bashar, Vad, que se reencontrou ontem com a irmã depois de passar 18 meses num campo.
O prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, no valor de 50 mil euros, é atribuído anualmente, desde 1988, a pessoas ou organizações que se destacam na defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. No ano passado, o prémio foi atribuído ao 'blogger' saudita Raif Badawi.
Os outros dois finalistas do prémio Sakharov 2016, Can Dündar, antigo editor-chefe do jornal turco Cumhuriyet, e Mustafa Dzemilev, líder dos tártaros da Crimeia, também estiveram presentes na cerimónia.
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